Conto: Pássaros por Lucas Lima

09:00

Foto: Unsplash
Heitor estava de volta a cidade natal. Da janela do táxi ele, no caminho para casa,
admirava o interior que havia deixado há sete anos. Os prédios ganharam espaço, os
bairros periféricos estavam lotados de comércios, o trânsito agora era mais agitado e a
semelhança com a metrópole para onde foi era bem maior.

Entretanto, ele ponderava sobre a única coisa na qual tinha certeza que não havia
mudado: Katherine. Ao passar pelo bairro dela, Heitor se perguntava como estava.
Sabia que ainda morava na mesma casa, pois era o que ela queria — não sair dali, não
deixar os pais e construir a vida em volta das raízes nas quais cresceu. Foram tais
diferenças que os fizeram trilhar caminhos diferentes — ele desejava morar em uma
cidade grande, desenvolver-se profissionalmente, conhecer o mundo e ser conhecido;
enquanto ela, queria apenas o sossego de uma vida no interior, receber o suficiente
para manter-se e desfrutar algumas viagens pelo próprio país.

A semelhança entre os dois estava no coração. Enquanto Heitor estava fora, ganhando
dinheiro, construindo um nome, Katherine continuava trabalhando na mesma
farmácia. O sentimento de pertencimento entre eles nunca foi embora, por mais que
tivessem tentado algo com alguém diferente. Ambos se aventuraram em outros
amores, relacionamentos, beijos e sexo, porém não sentiam a mesma coisa. Eram o
equilíbrio, o sol e a lua, terra e mar, carne e unha.

Ele queria passar na casa dela, para vê-la, saber como havia passado, rever os pais dela
e conversar. Discou o número de Katherine e aguardou.

— Oi! — bradou ele, vibrante ao telefone.
— Oi — disse ela, despretensiosa.
— Estou na cidade, o que acha de um café para a gente conversar um pouco? — pela
voz, era perceptível o sorriso aberto.
— Hum… quer ir hoje?
— Vamos sim! Vou deixar as coisas em casa começo a me arrumar. Pode passar em
casa?
— Na casa dos seus pais? Posso.

Katherine se sentia em culpa pela separação e tinha medo de despertar o sentimento
de novo, o que a faria sofrer quando ele fosse embora. Mas ela não podia negar de vê-
lo, apenas o fato de estar com Heitor era satisfatório. Mesmo que eles tivessem jogado
uma página da história fora, ainda continuavam amigos — que se falavam de anos em
anos.

Cerca de cinco horas depois Katherine estava com o carro estacionado em frente à
casa dos pais de Heitor. “Ele não muda nada”, pensou Katherine, enquanto olhava pela
janela ele se aproximando.

— Olá! — disse, animado, entrando no carro.
— Oi. Tudo bem?
— Tudo certo. Gostei do seu cabelo. — Katherine tinha abandonado o cabelo
comprido, agora os fios chegavam à altura dos ombros.
— Obrigado. É bom mudar às vezes.
— Sim sim — o assunto “mudança” causava desconforto nos dois, era algo notável.

A caminho do café eles discutiram as mudanças e os relacionamentos que tiveram no
meio tempo que ficaram afastados. Conversavam como dois amigos que não se viam
há muito tempo. Katherine começara a abrir o sorriso e Heitor a cantarolar as músicas
do rádio, como sempre fazia na companhia dela.

Foram ao café; riram do cardápio “gourmet”; visitaram a antiga lanchonete; pediram
os mesmos lanches de sempre; foram a um bar; caminharam pela avenida com
garrafas de cerveja nas mãos. Riram de todas as ruas, todas as luzes, placas, carros e
pessoas. Estavam bêbados e sãos a ponto de saber em que aquilo poderia ocasionar.
Sentaram em um banco do parque próximo ao carro e ficaram admirando a cidade. Em
silêncio, pensamentos sóbrios começaram a rondar.

— Ei… — começou ele —Sabe o que poderia acontecer?
— O que? — Respondeu ela, tentando não parecer aflita.
— Você poderia vir comigo para Londres. A gente poderia ser um casal. Você fala bem
inglês e ia adorar a cidade, sei disso. Sei que você gosta de viajar e isso abriria tantas
portas para você…
— Por favor, não. Não comece de novo.
— É sério… tem tanta coisa legal no mundo. Coisas que precisam ser sentidas e não só
vistas através de fotos. Não tem um dia por lá que eu não pense em você. Vejo tanta
coisa e penso “uau, Katherine iria adorar isso”, mas desisto de te enviar fotos. Não
consigo esquecer nossa história, não consigo esquecer você. Sei que você sente o
mesmo. Por que não cedemos e ficamos juntos de uma vez?
— E por que você não cede e vem para cá?
— Katherine, eu já vivi minha vida inteira aqui! É hora de conhecer o resto do mundo.
Já passou da hora de você começar a experimentar a vida em outros lugares.
— Mas eu tenho medo.
— E acha que eu não tive, saindo daqui de mãos vazias?
— Não quero deixar meus pais.
— Katherine, você cresceu. Você tem que viver por você um pouco. Sinto muitas
saudades dos meus pais quando estou lá, mas não é isso que me faz desistir de
construir a minha vida. Não é um caminho sem volta. Estou aqui hoje, posso estar aqui
de novo em seis meses.

Ficaram em silêncio. Agora, nem mesmo o álcool era capaz de tirar a melancolia do ar.
Permaneceram quietos olhando para o céu estrelado. Heitor colocou o braço por volta
do ombro dela, aquecendo-a.

—Vamos voltar? — ela perguntou depois de alguns longos minutos.

Não trocaram nenhuma outra palavra durante o percurso até a casa dele. Heitor
sussurrava as músicas do rádio e Katherine dobrava a atenção para o trânsito.
“Estraguei tudo”, pensava ele. “Sou uma medrosa idiota”, pensava ela. Ao chegarem,
ela desligou o rádio, desprendeu o cinto de segurança e o beijou.

— Eu gosto muito de você — começou Katherine —, mas minha vida é aqui e a sua em
Londres, Nova York ou quem sabe Dublin. Talvez um dia, quando sua vida for de novo
aqui, a gente possa ficar juntos. Não quero que espere por mim, como eu também não
quero esperar por você, mas se acontecer, de alguma forma, é porque devemos ficar
mesmo juntos.
— Eu amo você.
— Boa viagem.
— Mantenha contato, por favor.
— Talvez.
— Vou tentar voltar em seis meses.
— Volte pelos seus pais, não por mim.
— Voltarei pela minha vida.
— Que seja.
— Até mais.
— Tchau.

LUCAS LIMA é estudante de Jornalismo e descobriu a escrita por volta de outubro de
2013. Desde então, escreve para o Muita Mala Pra Levar, um apunhado de histórias e
memórias.

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